quinta-feira, maio 18, 2006

Sintra, grunge e histórias do arco da velha

Depois de uma ausência de quatro anos, aí estão eles!! Muitos dos matraquilhos que agora estão perto dos 30 anos de idade têm-nos como uma das referências na musica que os acompanhou durante a puberdade - essa fase estranha, metamórfica, em que tudo se sente à flor da pele.

Feita a transição para um estado adulto, supostamente de consciência mais elevada, é com agrado que vejo o regresso dos Pearl Jam. Agora, a sua música não me traz somente o álcool puro e a volatilidade do momento presente, mas também já um leve trago de saudosismo à mistura - o depósito, na gíria chamado "pé", onde estão embebidas as recordações de cada um de nós.
Fazendo a decantação desta minha solução alquímica, a música dos Pearl Jam, assim como de muitos outros grupos grunge surgidos em finais dos anos 80’s e inícios de 90, aparecem inevitavelmente associadas a muitas tardes e noites passadas em Sintra.
Neste processo de separação de lembranças, começo por revelar as baldas às aulas passadas na torre mais alta do Castelo dos Mouros a comer queimados - os travesseiros que saem pela porta da cozinha da Piriquita, acompanhando com uma cervejinha e, como não poderia deixar de ser, um som grunge ecoava num rádio ou walkman. Recordo-me que esta conjugação de ingredientes era um pouco indigesta e certamente desaconselhada por qualquer nutricionista.
Recordo os passeios nocturnos da maralha pela serra de Sintra. E para fazer o quê? - perguntam as vossas mentes insaciáveis. Para falar de história e estórias do arco da velha, ou de mais uma galinha preta encontrada morta de tanto ter sido depenada num ritual satânico lá para os lados do Convento dos Capuchos. Contudo, o momento alto da noite dava-se quando ecoava entre muralhas um som grunge das nossas gargantas e guitarras. Estar na serra era e ainda é um prazer instantâneo, mais solúvel em mim que qualquer chocolate em pó num copo de leite.
Quão maravilhosas eram as idas até à Vila velha, passando pela Volta do Duche com guitarras e djembés ao ombro que ali começavam a ecoar para então, depois de beber uns copos no Sr. Augusto e comer um dos seus fantásticos hamburgers, acabar no portado de uma casa em frente ao bar. Nesta casa, morava um Guarda Republicano que nos dava sempre as “boas vindas” em ceroulas e camisa de alças branca. Quando se assistia a tão nobre momento, só superado por um relógio de cuco imperial às doze badaladas, a solução mais prática era descer a rua até às traseiras do Hotel Tivoli. A fuga, não deixava de ser uma manobra delicada, já que a calçada íngreme dificultava os movimentos. Longe de nós atribuir tal facto ao álcool! Mais fácil era atribuir culpas a um dos ex libris de Sintra - a humidade, que à noite impregnava o chão tornando-o escorregadiço. Ao invés, a estreiteza da calçada não era problema para nós, mas para quem a subia de carro tinha sempre de ter auxilio à viragem do cotovelo ao cimo da rua.
Naquele espaço e naquele tempo existia solidariedade, a comunhão de um pequeno bairro do amor e a descontracção de um Bairro Alto. Ali fumava-se o cachimbo da paz.. Não muito longe dali, também as abóbadas do Palácio da Vila ouviram o ecoar de guitarras, de djembés, de flautas, até de um violoncelo, e claro, o tal som grunge. Enfim, *(suspiro de matreco), bons tempos de rodopio e corrupio.

Dedico este post aos amigos que tenho conservado na minha solução alquímica ao longo da minha existência e àqueles que têm tido gosto em conservar-me na sua ao longo destes anos. Onde quer que estejam, jamais esqueçam Sintra.

3 comentários:

Anónimo disse...

Se as pedras da calçada falassem!!!

Anónimo disse...

O texto está muito bem escrito, em termos literários e tem conteúdo.
Parabéns.
Se algum matreco tiver mais memórias, venham elas, porque acalentam a alma.
"CAMISOLA VERDE"

Anónimo disse...

Bons tempos!

Quem me dera poder voltar a passar uma noite dessas.



Pedro da Vila